Lembre-se das inúmeras vezes em que você foi ao supermercado com a cabeça em outros assuntos – seu trabalho, por exemplo. Você saiu de lá com os produtos, sim – mas as compras foram feitas totalmente no modo automático, pois você nem pensou conscientemente porque pegou cada mercadoria de determinada marca em uma prateleira. Todos nós, por mais racionais que possamos nos considerar, estamos influenciados por diversos fatores dos quais não temos consciência. Esse exemplo trivial do supermercado demonstra como fazemos isso todos os dias, pois não racionalizamos cada decisão de compra. Afinal, seria desgastante e cansativo analisar cada produto que pensamos em adquirir. Todo esse cenário tem ligação com o chamado neuromarketing – ou a neurociência do consumidor. Essa área da ciência nos apresenta gatilhos e maneiras de como fazer uma comunicação efetiva para que o público seja atingido de forma inconsciente.
Para tomar decisões com mais rapidez no cotidiano, o cérebro recorre a atalhos mentais que são criados através de associações sensoriais que fazemos com imagens, sons e cheiros. Coube aos psicólogos Keith Stanovich e Richard West criarem os termos Sistema 1 e Sistema 2 para descrever os atalhos cerebrais responsáveis pelas decisões. Mais tarde, Daniel Kahneman popularizou os dois conceitos em seu livro Thinking Fast and Slow. Ambos atuam em nosso cotidiano de maneira contínua. O Sistema 1 é o Thinking Fast, responsável pela tomada de decisão rápida. Uma de suas características é a de não utilizar lógica ou estatística para decidir. Ele usa muito a visão e responde ao design dos produtos e embalagens, seguindo principalmente o instinto.
O Sistema 1 pode explicar, em boa medida, a razão pela qual a Tramontina tem amplo destaque em Grande Empresa/Marca do Rio Grande do Sul, a categoria mais nobre do Top of Mind RS 2022, assim como em outros itens, a exemplo de Talheres, onde a lembrança é muito próxima de 100%. Além de uma velha conhecida dos gaúchos, a grife se fez presente na rotina das pessoas, seja no supermercado ou na hora das refeições. A forte presença na rotina dos consumidores é uma das explicações para o alto nível de menções na pesquisa. Porém, nem mesmo quem recordou da empresa deve ter essa consciência. E, de quebra, a grife de Carlos Barbosa também obteve o maior índice em Talheres no Love Brands, recorte da pesquisa que pretende saber quais são as marcas mais amadas pelos gaúchos (veja mais detalhes no box ao final deste artigo).
O Sistema 2, o Thinking Slow, requer esforço para tomar uma decisão. Ele racionaliza, calcula, mede e compara mais de uma vez diversas alternativas. É natural que o cérebro evite usá-lo, pois é requerido um esforço mental muito grande para acioná-lo. Hoje, quando as pessoas estão habituadas a navegar na internet a maior parte do tempo, sendo bombardeadas por imagens e vídeos todo tempo, o Sistema 1 é cada vez mais importante. É nada mais que uma ilusão afirmar que tomamos decisões racionais constantemente. A verdade é que, na esmagadora maioria das vezes, é o Sistema 1 que decide por nós. O Top Of Mind, portanto, é o Sistema 1 atuando diretamente na resposta no consumidor. Quem responde à pesquisa vai buscar rapidamente uma marca em sua mente. A grife que ele recordará naquele instante pode ter sido em razão de uma construção de anos, tendo por base uma refinada estratégia de marketing de uma empresa. Mas a marca também pode ter se fixado na mente do consumidor desde a semana passada, digamos, por ter disputado espaço com diversas informações cotidianas e haver vencido a batalha.
O Sistema 1 leva , como afirmamos, uma enorme vantagem, pois o cérebro tem facilidade para decodificar imagens mais rapidamente. Por esse detalhe é que o layout de um anúncio, o design de um site ou o formato de uma embalagem passam a ser muito importantes e podem ser vitais para que determinada marca consiga provocar as emoções que deseja. Por vezes, a embalagem também é a responsável por passar ao consumidor a percepção de qualidade. Quanto mais glamurosa ela for, mais tende a fazer o consumidor crer que a qualidade é melhor que a do concorrente que apresenta um produto com embalagem em formato mais simples. A sensação de eficácia e durabilidade pisca na mente antes que ele possa racionalizar qualquer outra informação sobre o produto. Esse estalo inconsciente causa a sensação que vale a pena pagar mais e o produto vai diretamente para o cestinho. Em resumo: o julgamento intuitivo é normalmente tão veloz que já registramos uma impressão antes mesmo que tomemos consciência do que estamos vendo.
Psicologia das cores
Trabalhar as cores, no neuromarketing, é fundamental para passar a mensagem desejada. A cor vermelha, por exemplo, cria uma sensação de urgência e é perfeita para liquidações. O vermelho estimula fisicamente o corpo, elevando a pressão arterial e os batimentos cardíacos. Está associado a movimento, emoção e paixão. O vermelho também estimula o apetite, razão pela qual é frequentemente usado por redes de fast food ou aplicativos de delivery, como o iFood, marca mais lembrada em sua categoria no Top of Mind RS 2022. O amarelo também ajuda e, portanto, não é por acaso que o McDonald’s optou pela cor vermelha brilhante combinada com o amarelo, uma junção que atrai as crianças, abre o apetite e cria um senso de urgência. Outra grife inconfundível que sabe como ninguém utilizar o vermelho em suas ações de branding é a Coca-Cola com seu logotipo de letra cursiva e as campanhas de Natal com o Papai Noel desenhado pelo ilustrador Haddon Sundblom ainda em 1920. O amarelo no verde inconfundível da John Deere, máquina agrícola mais lembrada em 2022, também é um case que explica um pouco mais a psicologia das cores no neuromarketing. A cor verde está associada com saúde, tranquilidade, poder e natureza. É usada em lojas para relaxar os clientes e promover as preocupações ambientais. Estimula a harmonia no cérebro e promove um equilíbrio que leva à decisão.
Criar imagens belas aos olhos de quem vê é uma preocupação da neuroestética, um conceito novo que está começando a ser aplicado pelas marcas, ainda que o tema seja objeto de estudo há pelo menos um século. Teorias afirmam que alguns padrões visuais eram fundamentais para os ancestrais humanos sobreviverem, pois lhes permitia reconhecer predadores camuflados e localizar. A arte também nos mostra um pouco disso, pois os antepassados reconheciam visualmente a paisagem ideal para habitar e sobreviver, imagens muitas vezes retratadas nas telas em museus ao redor do mundo. O cérebro associa certas imagens ao que seriam padrões de sobrevivência no passado. É algo rudimentar e complexo ao mesmo tempo, mas que tem sentido, uma vez que somos animai, ainda que hoje sejamos (ou tentemos ser) civilizados e desconectados conscientemente do instinto de sobrevivência dos primórdios.
Aparelhos de ressonância magnética revelam como o cérebro responde a certas imagens e quais áreas são ativadas nas diferentes experiências visuais. Ensaios já demonstraram que quando as pessoas veem imagens que consideram belas, o córtex orbito-frontal medial é ativado. Quanto mais bela a pessoa considera a imagem, mais fortemente essa região se ativa. Por outro lado, quando alguém dá de cara com uma figura considerada feia, a amígdala e o córtex motor são ativados. O córtex motor é o que ativa os movimentos físicos e prepara o corpo para uma fuga imediata. Apesar de muitas teorias, ainda é difícil afirmar com precisão porque a pessoa considera a imagem bela. Mas já entendemos que é possível medir cerebralmente a beleza. Beleza, portanto, é, sim, fundamental quando queremos atrair clientes.
Usar celebridades em anúncios é uma forma de acionar gatilhos mentais relacionados com a beleza. E não apenas pela estética, pois o consumidor se sente mais seguro ao ver que determinado produto ou serviço está sendo sugerido por alguém que ele já conheça, mesmo que a distância, pela TV. Alguns atores e atrizes também cumprem o papel de influencers digitais revelando detalhes da vida pessoal nas redes sociais, algo que provoca a sensação de intimidade para grande parte do público. Marina Ruy Barbosa protagoniza propagandas da Pantene, campeã do Top of Mind RS 2022 na categoria Shampoo. A beleza, elegância e personalidade marcante da atriz dão às marcas que se associam a ela esse mesmo espírito. Nunca é demais lembrar que a celebridade deve ter sinergia com a marca. Caso contrário, pode-se se repetir um episódio como aquele em que Cristiano Ronaldo afastou garrafas de Coca-Cola, patrocinadora da seleção portuguesa, durante uma entrevista.
Usar alguém popular – ou não tão popular assim – através de um comercial que viralize nas redes sociais talvez possa ser a estratégia mais correta de utilizar todos os elementos do neuromarketing em prol da marca. Um exemplo recente foi a peça publicitária do Itaú Unibanco para o Natal do ano passado. Estrelada por Fernanda Montenegro e pela pequena Alice, a campanha bateu recorde de visualizações nas redes do banco. Em quatro dias, foram mais de 4,5 milhões de views – acessados de forma orgânica sem que houvesse impulsionamento pago. O comercial, produzido pela Agência África, foi eleito o melhor do país no ano. A grande sacada do Itaú foi trazer para seu comercial a garotinha de apenas dois aninhos que virou meme falando palavras difíceis até para muitos adultos. Uma chuva de esperança que impactou a todos, tanto na internet como na TV. Um comercial atemporal, assim como muitos memes, mas na internet uma coisa engole a outra e apenas alguns perduram por mais tempo, como esse caso.
Os memes são imagens, vídeos ou frases virais que se tornam virais simplesmente porque as pessoas gostaram e compartilharam porque naquele elemento há algo com o qual todos nos identificamos. Eis o pulo do gato para as companhias que conseguem usar memes a seu favor. Os memes são um dos caminhos para se aproximar das pessoas. A Netflix, que está sempre movimentando suas redes sociais, interagindo com o público e lançando memes, serve de referência. De maneira brincalhona e debochada, a Netflix Brasil tuita: “Vocês reclamam que eu acabo com suas vidas sociais, mas quando vão chamar o crush em casa sempre me usam de desculpa”. Ela adora brincar e tem um humor ácido com os usuários – e eles amam.
Labirinto
Até mesmo quando aciona o Sistema 2, o mais racional, o consumidor terá de fazer um esforço maior para concluir uma decisão. Tudo pelo fato de que o bombardeio de impressos inconscientes, protagonizado pelo Sistema 1, não cessa. Naturalmente, uma decisão de compra envolvendo a casa própria ou carro não será tomada de maneira automática, mas até mesmo escolhas como essas são impregnadas de aspectos psicológicos e não racionais. O consumo está permeado de detalhes psicológicos e comportamentais que à primeira vista são invisíveis aos olhos e que frequentemente passam longe da racionalidade. Se seu negócio não levar isso em conta, pode até mesmo fracassar. Há um caso que demonstra este equívoco.
Um empreendedor de uma cidade pequena do interior inaugurou uma loja especializada na venda de roupas íntimas, pois não havia nenhuma do gênero no comércio. O empreendimento fechou as portas alguns meses depois. O grande erro estratégico dele foi não ter notado um hábito de seus conterrâneos. Os moradores frequentemente iam até o shopping do município vizinho para fazer as compras. Além do mais, aproveitavam a ocasião para passear. O fato de a loja estar fixada na cidade não foi suficiente para fazer com que ela seguisse operando. Isso prova que o comportamento do consumidor nem sempre é óbvio e tampouco racional - afinal, comprar mais perto pouparia tempo e dinheiro. Porém, traços psicológicos e sociais envolvidos na ação, como o almoço, o passeio, o lazer envolvido e a vontade de quebrar a rotina, foram mais fortes. Moral da história: não subestime o labirinto que é a mente humana e a consequente tomada de decisão do consumidor. Durante uma pesquisa, é fundamental buscar desvendar esse quebra-cabeças, a fim de minimizar os riscos de lançar um novo produto ou serviço no mercado. E isso está bem longe de apenas se restringir a perguntar se o consumidor gostaria ou compraria determinado produto ou serviço.
A ciência da mente seguirá evoluindo, assim como as ferramentas tecnológicas para rastrear o comportamento do consumidor. Caberá aos profissionais do marketing usarem os instrumentos que a modernidade disponibiliza corretamente, com ética e sempre resguardando a privacidade e dados pessoais dos consumidores. Vale destacar como um exemplo a campanha “Privacidade de Dados” do Itaú. O banco chama a atenção para a importância do tema, que vai muito além do compartilhamento indevido de informações e que tem implicações diretas com toda a experiência digital de seus clientes. Se o neuromarketing é uma lanterna que ilumina o labirinto cerebral das pessoas, a ética é a bússola que deve nortear as decisões estratégicas nesse campo.
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